UFG realiza primeiro encontro de mulheres criminalistas do país
Abertura do evento foi marcada por homenagem à professora Vera Regina Pereira de Andrade, pioneira da criminologia crítica no Brasil
Texto: Patrícia da Veiga
Fotos: Ana Fortunato
A Universidade Federal de Goiás (UFG) é a primeira instituição brasileira a promover um encontro de mulheres – oriundas do Direito e de áreas afins, como Antropologia, Sociologia e Psicologia – que estudam crime e violência. Elas vieram de várias partes do país para acompanhar o I Encontro das Criminalistas: da violência do controle ao controle da violência, que teve início na nesta quarta-feira (29/3) e segue até sexta-feira (31/3). A programação está sendo realizada no Salão Nobre da Faculdade de Direito (FD), localizada no câmpus Colemar Natal e Silva.

Mesa de abertura composta por mulheres durante evento histórico para as ciências jurídicas
O evento, feito em parceria com a Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil (ESA/OAB-GO), dá visibilidade à produção científica das mulheres e visa discutir questões relativas ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. Para tanto, traz à tona uma abordagem crítica e feminista que considera as contradições históricas da sociedade brasileira e compreende recortes de raça/etnia e gênero.
De acordo com a professora Bartira Macedo de Miranda Santos, coordenadora geral da atividade, este é um esforço para inverter o eixo do olhar da criminologia. “Na área jurídica ainda perdura uma representação do sistema de justiça como uma técnica do controle social que se autodefine como neutra, universal e abstrata quando, na verdade, o Direito já representa um ponto de vista previamente demarcado por uma sociedade patriarcal e capitalista”, denunciou.

Salão Nobre da Faculdade de Direito durante a abertura do I Encontro das Criminalistas
Abertura
A solenidade de abertura do I Encontro das Criminalistas, realizada na noite desta quarta-feira, foi tomada pela emoção e pelas trocas de afeto. O Salão Nobre da FD, cuja lotação máxima se esgotou, esteve repleto de jovens estudantes e profissionais renomadas. “É um encontro que tem um significado ímpar para o Brasil e para Goiás”, opinou Sílzia Alves Pietrobom, vice-diretora da FD.
Antônia Chaveiro Martins, única mulher a compor a diretoria da ESA/OAB-GO, reafirmou a importância do evento e destacou o interesse da instituição parceira em apoiar iniciativas da mesma natureza. “As mulheres possuem um papel central e indispensável na construção de um sistema efetivamente justo e com equidade no tratamento de gênero, já que as paredes visíveis e invisíveis do machismo cercam o sistema de justiça criminal que foi feito por homens e para homens”, declarou.
Na ocasião, foi feita uma homenagem a Vera Regina Pereira de Andrade, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pela contribuição científica ao mundo jurídico, ela recebeu moção do Conselho Diretor da FD e certificado de honra ao mérito da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. Marília Montenegro, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ex-orientanda de Vera Regina, ficou encarregada de fazer uma análise sobre os dez anos de vigência da Lei Maria da Penha (n° 11.340/2006) à luz da teoria proposta pela pesquisadora homenageada. "A Lei Maria da Penha é importantíssima, muito maior do que o sistema penal, da qual não podemos abrir mão", defendeu.

Professoras Sílzia Pietrobom e Bartira Macedo, da FD/UFG, entregam certificado de moção de homenagem para Vera Regina Pereira de Andrade, pesquisadora da UFSC
Homenageada
Vera Regina foi uma das primeiras acadêmicas brasileiras a trabalhar com a vertente da criminologia crítica. Isso fez com que sua obra propusesse a investigadores e doutrinadores um olhar sensível aos problemas sociais, às questões de gênero e à violência institucional. Ao tomar a palavra, a professora dedicou a homenagem recebida a todas as mulheres, agradeceu sua instituição de origem, a UFSC, e relembrou sua trajetória profissional.
Conforme relatou, Vera Regina se formou na década de 1980 desejando a magistratura, mas logo que entrou em contato com a criminologia optou pela carreira acadêmica. Suas inquietações diante das injustiças sociais refletidas no sistema penal começaram ainda nos primeiros trabalhos de campo realizados, quando estudante. “Já naquela época as prisões eram um horror. Predominantemente masculina e negra. Eu precisava compreender aquilo. Precisava entender qual era a ruptura entre a realidade empírica que eu me deparava no estágio e as aulas do meu professor, que falava sobre a teoria cética do crime”, comentou.
Ainda em sua fala, a professora apontou para os desafios do presente, destacando a importância da criminologia nesse processo. “Estamos vivendo um momento de luto na nossa sociedade. Quando os brasileiros ainda viviam sob o fantasma da Ditadura Militar, já estava se desenhando subterraneamente um dos maiores golpes à democracia brasileira. Um golpe civil e institucional que não poupou o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário e que tem o apoio soberano da mídia. Nós estamos sitiados. Ao mesmo tempo, nunca se viu no país tanta resistência. Numa universidade em ruínas, transformada em unidade de produção do capital, uma das maiores resistências vem, justamente, das ciências criminais”, defendeu.

Emoção e trocas de afeto marcaram a abertura do I Encontro das Criminalistas. Marília Montenegro (UFPE) e Vera Regina (UFSC), em destaque, falaram sobre a importância da Lei Maria da Penha para combater violência de gênero
Fonte: Ascom/UFG
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